terça-feira, 19 de outubro de 2010

Denúncia! Não confunda RT e ART!

Hoje, vou cutucar na ferida... Afinal, o quê é RT e ART???

Para quem é da minha área de formação - arquiteto e urbanista -  sabe muito bem do que eu estou falando. Para os "decoradores e paisagistas" de plantão também, né... Os engenheiros também entendem muito bem disso, sem falar nos empreiteiros... e qual o mal dessas siglas?

A ART, que quer dizer Anotação de Responsabilidade Técnica, não há mal algum. Pelo contrário, há MUITOS benefícios! É a assinatura de um profissional técnico e capacitado que está se responsabilizando pelos projetos ou pela obra de uma edificação! É a garantia da população de que está contratando e construindo com qualidade e segurança! Afinal, apenas profissionais com o registro no CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) podem emitir ART, pois é um artifício criado pelo conselho e possui diversas classificações, como ART de projeto arquitetônico, ART de projeto estrutural, ART de projeto de interiores, ART de projeto elétrico, ART de projeto hidráulico, etc...
Decoradores e paisagistas não possuem CREA e atuam irregularmente no mercado, pois não há formação reconhecida e autorizada para eles, a atuação nessas áreas apenas é regular quando for por um profissional formado em Arquitetura e Urbanismo, que é o curso completo, reconhecido e autorizado.
E quê é RT? RT é um tema muito polêmico, quer dizer Reserva Técnica... é uma expressão que o comércio inventou para bonificar os profissionais das áreas da construção civil e decoração, desde que especifiquem seus materiais e produtos à venda ou serviços prestados. Como assim?

Quando você compra um lote de azulejos ou porcelanato, por exemplo, há um vendedor na loja que te atende, né? Este vendedor ganha uma comissão pela venda, certo? Ok... Mas, o arquiteto, o engenheiro, o decorador, o paisagista, o empreiteiro, etc... também ganham! Gira em torno de 2 a 10% e vale para qualquer coisa, desde a lata de tinta até o aparelho completo com subwoofer-master-plus do home-theater...

Sinceramente? Não acho um tremendo absurdo, pois os profissionais acabam detalhando e especificando esses materiais e produtos por causa da qualidade e do melhor acabamento oferecidos, então, como estariam contribuindo para o crescimento daquela empresa ao indicar várias vezes aquela empresa, nada mais justo do que receber uma comissão também.

Porém, há algo muito ruim aqui que é quando o profissional antiético induz o cliente a comprar na empresa que dá mais RT!!! "Que absurdo!" - pensariam alguns... acreditem! É uma prática mais comum do que vocês imaginam e não são só os pequenos que praticam, muito pelo contrário... os mais conhecidos são os que mais ganham essa RT!!! Afinal, teoricamente, como o profissional mais conhecido tem mais clientes, a empresa oferece mais comissão para ele... E quando a empresa não dá essa maior gratificação, há quem EXIJA esse aumento!!!
Opa! Então, se o profissional agora passou a exigir mais comissão, adivinha o que ocorre? A empresa se sente coagida a dar mais comissão porque corre o risco de perder a indicação daquele profissional renomado, logo, ela embute essa comissão no preço final que o cliente pagará... Por exemplo, um marceneiro cobra R$6 mil para executar os armários de uma cozinha, porém, o arquiteto ou o decorador pede 10% de comissão, assim, o marceneiro irá cobrar do cliente R$6,6 mil... Agora, o arquiteto ou o decorador mais famoso pede 20% (sim, é bem mais e já ouvi relatos até de 50%), logo, o marceneiro passará a cobrar R$8 mil! Ué... não era pra ser R$7,2 mil? Sim, mas daí o marceneiro viu que pode ganhar mais também...
Conforme citei no exemplo acima, não vale só para produtos industrializados, como materiais construtivos e móveis vendidos nas lojas, vale também até para produtos artesanais e para serviços prestados! Aliás, o que mais "vale" aqui são esses citados porque o valor a ser cobrado por um serviço de serralheiro ou marceneiro é subjetivo, assim, não há questionamento sobre o quanto realmente vale aquela mão-de-obra.

A RT veio para gratificar o profissional pela especificação e detalhamento daquele material ou produto, mas acabou virando uma ganância enorme, pois há casos até de profissionais cobrando praticamente nada pelos seus projetos para ganharem a diferença na RT!!! Por exemplo, algumas entidades de classe indicam que o projeto arquitetônico para alguém recém-formado no interior do Paraná seja cobrado a R$20 por m², porém, na prática isso é quase impossível!!! Vários profissionais com até 10 anos de formado estão cobrando entre R$5-8 por m² e o cliente acha que está fazendo um ótimo negócio, mas o profissional está retirando MUITO mais por fora por causa da RT...

Ou seja, o projeto custando em torno de R$20 por m² corresponde a 1-2% do valor total de uma obra, quando o profissional cobra R$5 por m², em valores brutos parece um ótimo negócio, mas proporcionalmente ao valor da obra, o projeto se desvaloriza e não devia ser assim porque o projeto arquitetônico é o essencial para a construção! Nada pode ser feito sem ele! O profissional acaba desvalorizando todo o seu conhecimento técnico e acadêmico por conta de uma comissão... E o cliente também tem parcela de culpa nisso ao querer economizar na etapa mais importante, que é a elaboração dos projetos! O projeto arquitetônico e os projetos complementares (estrutural, elétrico, hidráulico, etc...) representam nem 5% do valor total de uma obra, economizar aqui é a pior escolha... Assim, a obra também acaba desvalorizada... Não se pode pensar em valores brutos em uma obra, tem sempre que pensar no percentual que aquela compra ou aquela contratação representam no todo que se pretende gastar.

Eu acho justo o cliente estar ciente desta comissão e acho mais justo ainda quando o profissional repassa parte dessa comissão. Por quê parte e não tudo? Porque como disse antes, acho justo também o profissional ser gratificado por contribuir com o crescimento daquela empresa. MAS, é importante não induzir o cliente! Eu sempre levo vários orçamentos para os meus clientes e mesmo assim dou liberdade para eles irem atrás de outros orçamentos também! PORÉM, isso é uma prática que eu escolhi adotar e, infelizmente, não é o comum...

Aliás, o que mais tem são profissionais "caçadores de RT"! Profissionais que apenas fazem orçamentos com empresas que dão mais RT, descartando logo de cara as empresas que não oferecem essa gratificação, mesmo elas oferecendo um melhor produto ou serviço... O cliente acaba achando que está fazendo um bom negócio ao pagar barato por um projeto arquitetônico, mas ele mal sabe que está perdendo muito mais no todo por causa da RT que o profissional barato - contratado por ele - vai retirando. Assim,  o cliente perde porque todos os descontos possíveis não existem mais...

Símbolo de um conselho desunido... o CREA perde cada vez mais força ao não regular e coibir as profissões que atuam irregularmente, interferindo na sociedade








E outra... Arquitetos e engenheiros possuem formação acadêmica e capacidade técnica para especificar e detalhar adequadamente produtos e materiais, logo, profissionais estudados e habilitados para projetarem. Mas, decoradores e paisagistas também ganham RT, são profissionais sem formação acadêmica especificando materiais apenas pelo "bom gosto" e o cliente correndo o risco porque nada poderá fazer se algo der errado, afinal, esses profissionais não podem assinar ART, que garante a responsabilidade pelo o que está sendo executado.
Paisagismo é uma matéria dentro de Arquitetura e Urbanismo, mas há inúmeras pessoas trabalhando com paisagismo só porque "entendem de plantas", o problema é que a maioria não sabe compor com elas e nem conhece a história do paisagismo no mundo para saber lidar com a realidade atual. Decorador não existe na Arquitetura, o correto é "designer de interiores", que seria o profissional formado em Arquitetura e habilitado para fazer projeto de interiores e assinar a ART.
Porém, aqui vejo uma parcela de culpa também do CREA... Uma das atividades do conselho é para regular as profissões no que se refere à construção civil no Brasil, além de proteger a sociedade de abusos nessa área. Mas, estamos vendo toda essa PA-TA-QUA-DA ocorrendo há décadas e nada sendo feito... O IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) - que é apenas uma entidade de classe organizada, sem os poderes de um conselho regional - já fez várias cartas de protesto contra a RT e luta há anos pela criação do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), pois a Arquitetura e o Urbanismo estão sendo mal atendidos e desrespeitados. A RT é um exemplo vivo disso, pois o CREA devia se pronunciar ao constatar que a sociedade está perdendo muito com isso também!

4 comentários:

Marcel disse...

Ah, esqueci de dizer uma coisa muito importante...

Não são todas as lojas e fornecedores que oferecem a famigerada RT, muitas já discordam desse modelo e não adotam esse "incentivo".

Algumas adotam outro incentivo q é o bônus em produtos, o q seria mais interessante do ponto de vista ético da situação.

Victor disse...

Olá Marcel. Muito bom seu texto, também sou totalmente contra a pratica de RT, porém infelizmente esses tipos de profissionais citados acima cobram "sua parte" no negocio... E como dependemos muito desses profissionais, acabamos pagando a parte deles... o que diminui consideravelmente nossa margem... Nos obrigando a cobrar um pouco mais do cliente... Tenho uma loja de móveis planejados e fico triste em saber que o CREA é uma instituição totalmente currupta, pois saber que essa prática existe e não fazer nada, isso pra mim é conivência e fazem parte da corrupção tb!!!!

Abraço.

Parabéns pela denúncia e pelo caráter!!! Ninguém perde por ser honesto...

Marcel disse...

Só pra atualizar...

Quando fiz este post, o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) ainda não existia. Hoje, o CAU já existe e está em atividade desde o começo deste ano, 2012.

O quê muda é que agora a ART passar a ser uma atribuição apenas dos Engenheiros, pois está ligada ao CREA. A atribuição de Arquitetos e Urbanistas agora se chama RRT, que quer dizer Registro de Responsabilidade Técnica!

Ou seja, além da famigerada sigla RT, a população precisa ficar mais consciente sobre as 2 outras, que dão a garantia de uma obra segura e confiável, a nova RRT do CAU e a antiga ART, que ainda continua pelo CREA.

André disse...

Não há justificativa para a prática da RT que não seja anti-ética.
Dizer que "não tem problema porque o profissional especifica independente da RT, com base na qualidade do produto" é muita inocência, e promove a prática.
As grandes empresas, hoje, inventam outros esquemas (como descontos, pontuação, premiação) para disfarçar a prática, mas pense comigo, Marcel: A menina sai a noite, conhece um carinha, fica com ele, vai para um motel, e de manhã acorda e ele deixou 200 reais na cômoda. Ela não escolheu ele com base nesse dinheiro, mas não seria um pouco incômodo receber esse dinheiro? É isso que é a RT: prostituição do profissional. Ele pode usar todos os critérios técnicos na sua escolha, mas aceitar esse "suborno", independente de não alterar a sua decisão técnica prévia, é dar prosseguimento a uma prática anti-ética, que distorce o mercado (como você bem explicou) e desvaloriza o profissional. A RT só é boa para os desonestos. Os honestos podem escolher receber, uma vez que é a realidade do mercado e sem ela podem afirmar que estariam em desvantagem, mas só teremos um mercado profissional sadio e transparente quando acabarmos com essa prática.

Nosso caso é bem parecido com o que acontece com os médicos e a indústria farmacéutica.